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"O Direitos da maternidade"

Professora Janne Haaland Matlary,
Departamento de Ciência Política e ARENA, da Universidade de Oslo;
Membro do Conselho Pontifício para Justiça e Paz

"Hoje é bem mais permitido que as mulheres se tornem trabalhadoras industriais, secretárias executivas ou motoristas de ônibus; algumas são ministras, inventoras ou artistas geniais... a maioria das mulheres podem ser medíocres motoristas de ônibus, tanto quanto os homens, mas somentes as mulheres podem se tornar mães, independentemente de quão medíocres possam ser"

Sigrid Undset, "Et Kvinnesynspunkt", Oslo, 1922.

Prêmio Nobel e Católico convertido.

Eminências, Excelências, senhoras e senhores,

Sinto-me privilegiada em ter a oportunidade de proferir diante deste distinto auditório o relevante tema a maternidade e seus direitos.

Falo para vocês enquanto companheira católica, enquanto mãe que cria seus filhos numa sociedade largamente secularizada, e enquanto cientista política, interessada, profissionalmente, em determinar como as normas da sociedade podem ser atingidas e mudadas com a finalidade de que estas, por sua vez, gerem mudanças políticas e econômicas que permitam apoiar os direitos da maternidade.

INTRODUÇÃO

A maternidade gera direitos. A maternidade é essencial para a sobrevivência da sociedade. Sem as mães não poderíamos existir. Somente as mães têm o singular privilégio de nutrir o feto por nove meses, de cuidar da criança por muito tempo, de levar adiante um trabalho que consiste em mil e um detalhes diários -tanto práticos como espirituais- para atender as necessidades das crianças, de realizar o árduo trabalho de educar adolescentes -e mais tarde, freqüentemente, de cuidar também dos filhos deles. Evidentemente, os pais também fazem muito desse trabalho, mas não tanto assim. A maternidade é muito mais importante que a paternidade, em termos práticos, assim como em termos físicos e emocionais, pelo menos quando a criança é ainda muito pequena. A maternidade é diferente da paternidade e a complementa. Isso é evidente para qualquer pai.

Como mãe de quatro filhos, sei o que a maternidade é, o trabalho que supõe e a importância preeminente que tem na vida das crianças. Porém, eu também sei que atualmente a maternidade goza cada vez de menos respeito, pelo menos no mundo ocidental, e que não mais recebe apoio imediato das autoridades políticas. Hoje é, principalmente, a Igreja -enquanto instituição, frequentemente a única- que continua a dar uma ênfase apropriada ao papel da maternidade. As mulheres que dizem lutar pelas mulheres, freqüentemente, não o fazem.

Por que falar sobre os direitos da maternidade? Porque os estamos perdendo. Hoje, numa sociedade freqüentemente niilista, pelo menos no Ocidente desenvolvido, não podemos contar com o reconhecimento do que a maternidade é e o que ela supõe -isto é, de seus direitos naturais. Portanto, precisamos lutar por esses direitos; é essa a mensagem central desta palestra.

Quais são esses direitos? Se você perguntar a uma mulher na rua quais são, ela provavelmente responderá: o direito de ter uma criança e o direito de abortar. Entretanto, esses não são direitos da maternidade:

Não obstante o que muitas pessoas pensam, não há direito à maternidade. A maternidade permanece um dom e não um direito, apesar do desenvolvimento de vários tipos de métodos de fertilização. As crianças não são objetos que possam ser encomendados da mesma maneira como se decide adquirir um carro ou uma casa. Esta parece ser uma afirmação necessária numa êpoca em que paira uma visão instrumental da pessoa humana, onde mulheres reinvidicam o direito de ter filhos por esses métodos, inclusive com a ajuda do Estado. A "infertilidade", sob esse ponto de vista, é considerada uma doença que pode e deve ser curada como parte dos esquemas gerais de saúde pública.

No mesmo sentido, não pode haver direito de não se tornar mãe, uma vez que se engravida. Isso é óbvio para os Católicos, mas não para muitos outros. O dito direito ao aborto é praticado na maioria dos Estados ocidentais e é o objetivo primeiro de muitos ativistas em organizações internacionais, destinado a ser exportado para o mundo em desenvolvimento. O direito ao aborto ainda persiste como marca registrada do feminismo ocidental. Embora seja impossível refutar os argumentos contra o aborto, já que sabemos que o feto é um ser humano em desenvolvimento, isso freqüentemente tem pouco peso no processo político. Uma vez que a lei consagra algo como um direito, torna-se normativamente aceitável para todos, com exceção de alguns poucos que pensam por si mesmos sem preconceitos.

Para a população em geral, o que a sociedade e a lei aceitam, é um direito. Depois de uma ou duas gerações, poucos questionam isso. Este é o status normativo do caso do aborto legalizado, e, por essa razão, tentar mudar esse status representa uma tremenda batalha.

A PERSPECTIVA DOS "DIREITOS"

NÃO É ADEQUADA, MAS NECESSÁRIA

O que, então, são os direitos da maternidade? Em que sentido são eles direitos? Há uma ou duas gerações atrás não havia necessidade de se falar em direitos no âmbito da maternidade porque era óbvio que ser mãe supunha respeito, tratamento e status especiais. De alguma maneira esse respeito ainda existe em algumas sociedades -quando eu estava grávida na Itália, percebi quanto respeito me foi dispensado por causa da longa tradição católica lá.

Enquanto a família foi compreendida como sendo uma unidade natural da sociedade, desempenhando seu papel específico, as mães foram respeitadas em todos aqueles aspectos nos quais hoje não são. Devido ao fato da maternidade natural estar sendo atacada, é preciso explicitar os nossos direitos, e adotar a perspectiva analítica dos "direitos" quando falamos sobre maternidade.

Porém, falar sobre direitos e ainda fazer deles direitos legais explícitos não resolve nenhum problema senão que pode criá-los. Se a maternidade é vista separadamente do âmbito natural da família, os direitos da maternidade facilmente tornam-se direitos individualistas de qualquer mulher. Quando a Igreja fala sobre os direitos da maternidade, pensa nos direitos naturais que fluem da solidariedade e subsidiariedade da família. A maternidade enquanto complemento da paternidade , dentro da família, é o implícito ponto de partida, e não a mulher separada da unidade familiar.

A tradição moderna dos direitos políticos é muito diferente; devemos, portanto, precavermo-nos contra uma proliferação de novos direitos baseados unicamente na noção individualista do ser humano, especialmente quando o tema é maternidade. A maternidade é essencialmente relacional, tanto a respeito da paternidade quanto a respeito da criança. Juntos esses elementos formam uma família.

Hoje, os problemas relacionados à maternidade -que serão discutidos mais adiante- não podem ser resolvidos através da criação de novos direitos; muito pelo contrário. O enfoque relativo aos direitos é, em si mesmo, um sintoma de problemas que se concentram naquilo que podemos denominar "individualização" da maternidade. Numa sociedade onde a família funciona naturalmente, sem intromissão do Estado, sem dissolução na forma de divórcio, não há necessidade do enfoque dos "direitos". Contudo, uma vez que essa situação não é mais sustentável -como é hoje o caso do mundo ocidental- torna-se necessário o enfoque dos direitos porque a família, e, portanto, a maternidade tem sido politizadas.

Assim, embora a perspectiva dos "direitos" seja problemática, aparece também como uma necessidade na sociedade moderna e secularizada.

Diante dessa situação, a maternidade necessita ter direitos explícitos a ela ligados. Não é mais possível contar com o reconhecimento de uma tradicional e natural aceitação dos direitos e deveres da maternidade. Infelizmente é chegada a hora de lutarmos política e legalmente pelos direitos naturais que se originam da instituição da maternidade. A não ser que o façamos, nossos direitos naturais -e esse termo nunca foi tão adequado antes- serão tirados de nós pelos Estados que não mais reconhecem que a criança deve ser formada, isto é, educada por seus pais; que os pais são aqueles que têm filhos através de uniões heterosexuais; ou que os filhos devem ser protegidos por seus pais e pelo Estado contra a atividade sexual prematura ou mesmo o abuso sexual

Em resumo, os direitos naturais da maternidade são hoje cada vez menos reconhecidos, e é preciso lutar por eles, como nunca antes, na arena política. Esses direitos antes reconhecidos como naturais, e, portanto, não politizados, são hoje altamente contestados. Assim sendo, eles não mais podem ser considerados como garantidos, mas deve-se explicitá-los, através de argumentos, e, em última instância, defendê-los e lutar por eles.

A seguir desejo tratar do assunto dos direitos mais específicos da maternidade, tal como a Igreja os define implícita e explicitamente em sua Tradição e em seu ensinamento, e a partir daí perguntar até que ponto esses direitos são implementados numa sociedade moderna e secularizada, cujas características definidoras apontarei posteriormente. Finalmente, gostaria de levantar a pergunta a respeito do que pode ser feito para tornar esses direitos uma realidade, e como.

Meu ponto de partida nesta palestra é a situação em que as mães se encontram nas partes mais secularizadas do mundo, no Ocidente onde moro. O que caracteriza essas sociedades é a decomposição da família enquanto unidade e primeira "célula" da sociedade; trata-se de um individualismo radical, uma visão instrumental da pessoa humana e uma visão pragmática da vida humana. Nessas sociedades há taxas baixas de fertilidade -na Europa, das mais baixas na Espanha até as mais altas na Noruega, mas "alta" nesse contexto não é o suficiente para manter o nível de população. O velho feminismo dos anos 70, que tanto influiu nesse aspecto, não se interessou mormente pela maternidade.

Em outras partes do mundo essas tendências sociais ainda não são evidentes, mas são iminentes onde se desenvolvem a modernização e a secularização. Portanto, acho que uma análise baseada neste cenário basicamente a-católico é útil mesmo para vocês que não vivem em tal sociedade. Em outras partes do mundo, essas tendências sociais não são evidentes, mas são "exportadas" como parte dos programas de ajuda internacional. Assim, acho que esse ponto de partida "ocidental" é útil também numa perspectiva global.

O QUE É A MATERNIDADE?

Pode parecer estranho colocar essa pergunta, mas hoje não é mais óbvio o que a maternidade é. Para as nossas fortes mães do passado, que geralmente tinham muitas crianças, administravam uma fazenda ou uma casa grande, trabalhavam muito fisicamente e ensinavam aos seus filhos assuntos tanto práticos quanto espirituais, essa pergunta não faria sentido. Todos sabiam o que era uma mãe. Essa era uma instituição essencial da família e da sociedade.

Porém, hoje a maternidade é atacada em vários sentidos: o Estado procura socavar a força da família, as feministas procuram afastar as mulheres do contexto da família, o estilo de vida dos pluralistas tenta tirar a família e a sua essência -a maternidade- de qualquer lugar privilegiado na sociedade.

Por exemplo, em 1995, na Conferência Mundial das Nações Unidas sobre a Mulher, realizada em Pequim, onde representei a Santa Sé, a palavra "mãe" foi substituída pela expressão "mulher em procriação". Isso fala por si mesmo. A mãe passa a ser conceituada, de maneira mecanicista, como alguém que procria. Não seria mais do que um material, uma entidade biológica.

O feminismo dos anos 70 negou à maternidade o respeito e o status. A maternidade tornou-se um termo negativo que designava a uma mulher passiva e retrógrada que ficou em casa e foi suficientemente estúpida para ter muitos filhos; que não compreendeu que sua real felicidade e "realização pessoal" residiam em trabalhar fora de casa e no distanciamento da instituição familiar.

Atualmente, esse feminismo primitivo está morrendo rapidamente, mesmo no Ocidente mais "desenvolvido", apesar de ainda sobreviverem algumas espécies patéticas em alguns ambientes. As mulheres da minha geração redescobriram a importância preeminente da maternidade para a vida, felicidade e identidade da mulher. Temos muitos filhos e não achamos que trabalhar com crianças seja perda de tempo. Pelo contrário, descobrimos que nunca antes a importância da maternidade foi tão grande para nossos filhos e para nossas sociedades. Entretanto, a influência da antiga geração de feministas ainda persiste, juntamente com outros ataques à maternidade que serão discutidos a seguir.

As mulheres que são também mães têm pouco ou nenhum tempo para o trabalho político. Mesmo assim somos aquelas que deveriamos influenciar na política e na sociedade. É essencial que encontremos meios para fazer isso.

Os católicos sabemos da importância da maternidade no seu sentido mais sublime, porque Maria é a mãe e mulher mais forte da história. Graças a ela, sabemos quão essencial é a instituição da maternidade para a humanidade. As mães também sabem disso existencialmente -a partir da experiência da gravidez, nascimento, amamentação e trabalho com os filhos. Logo após ter dado à luz pela primeira vez, eu disse a mim mesma: "agora não tenho medo de nada e posso fazer tudo". A dor física junto à indescritível alegria de assistir o milagre da criança surgir de um corpo humano comum é verdadeiramente o mais próximo que alguém pode chegar a participar do ato da criação. Isso requer uma força que só a mulher possui, e um status especial que a maternidade merece ter.

A maternidade dá força, mas exige força -tanto física quanto mental.

A EROSÃO DA MATERNIDADE

A maternidade tem gozado de direitos e status particulares em todas as civilizações e religiões. Mas, hoje, a maternidade, enquanto instituição, enfrenta uma grave crise em muitas partes do mundo, especialmente no chamado Ocidente "desenvolvido".

Há muitas razões para isso -a mais profunda das quais é a própria secularização. Os sintomas dessa crise incluem o colapso da família através das taxas de divórcio cada vez mais altas; através da redefinição da família como um lar qualquer que admite a mera co-habitação e até as uniões homosexuais; através da promoção de um excessivo individualismo em que a mulher é vista separada de todo contexto familiar e os filhos são considerados adultos independentes numa idade ainda prematura; e através das incursões dos políticos e do Estado no interior do próprio âmbito da família e da competência específica dos pais, especialmente das mães.

A causa principal desse colapso da estrutura natural da família -a doença cujos sintomas são sinais- reside na concepção da pessoa humana enquanto indivíduo atomizado e egoísta, voltado sobre si mesmo, instrumental em suas relações com os outros, narcisístico e pragmático. A idéia de auto-doação, que é a pedra fundamental de uma boa maternidade e de uma boa comunidade humana -seja família ou sociedade política- é conceituada como própria para tolos. Poucos ensinam que as virtudes devem ser buscadas e os vicíos combatidos numa sociedade onde esses conceitos são relíquias do passado. A partir de um difusivo relativismo dos valores, a política, as escolas e os meios de comunicaçao ensinam cada vez menos a respeito do que está certo ou errado. A família, talvez sobretudo a mãe, deveria ser a primeira a se ocupar nisso, mas quando a mãe falha e quando a sua família falha, os efeitos na sociedade são graves e imensos.

O paradoxo é que hoje a importância da maternidade é bem maior do que antes devido, precisamente, a essa situação; embora ser uma boa mãe seja bem mais difícil do que antes devido ao pouco apoio que a família recebe..

Se vivemos no presente, devemos dominar e mudar o presente. Mas precisamos ser bem mais conscientes do que antes sobre os problemas que temos que enfrentar para sermos boas mães nesta etapa da história. Gostaria ilustrar isso com alguns exemplos:

Não desejo parecer pessimista demais, mas estou preocupada com o que vejo ao meu redor. Alguns dos meus filhos serão adolescentes em poucos anos. Atualmente, as crianças, pelo menos em muitas sociedades ocidentais, estão expostas a uma sociedade niilista num sentido muito específico: não há autoridade moral em uma sociedade que ensina o certo a partir do errado. Em muitos páises ocidentais as igrejas perderam influência, os meios de comunicação lucram com o sexo e a violência, e a família, enquanto instituição, foi tão enfraquecida que dificilmente pode oferecer resistência, contra-peso para essa situação. Neste verão tomei nota dos assuntos que dominavam os meios de comunicação na Noruega: estes eram relativos ao sexo, especialmente à pedofilia e à prostituição de jovens. Há um processo direcionado para um total niilismo em matéria de sexo: a homosexualidade, a prostituição e os "casos limites" relativos à pedofilia não são mais condenados pelas normas da sociedade, mas tornaram-se objeto de aguda atenção da parte dos meios de comunicação e da mentalidade de livre mercado que outorga valor somente para aquilo que pode ser vendido e comprado. Nesse tipo de ausência normativa, pergunto-me como posso proteger meus filhos; como posso fazê-los seres humanos saudáveis no que diz respeito à sexualidade, e, em geral, como posso dar a eles uma base normativa segura quando a própria sociedade é indiferente ou fala contra essa base?

A luta contra essas tendências somente é possível quando se assume o respeito à pessoa humana, sendo que esse respeito, por sua vez, só é possível quando se compreende o que a dignidade humana significa. A ausência de normas em matéria sexual na sociedade ocidental é sintoma de uma visão instrumental do ser humano, onde não somente as mulheres, mas -cada vez mais- também crianças são exploradas por adultos egoístas.

A lógica desse processo não deveria surpreender a ninguém. Em sociedades onde o aborto e, progressivamente, a eutanásia são legalizados e aceitos, não é mais possível nenhum respeito pela dignidade humana. Não há mais respeito possível pelas crianças quando matamos nossos nascituros, e não há mais respeito pela velhice quando matamos os velhos. Quando tais atos são permitidos, podemos também esperar que aconteçam perversões sexuais e violência generalizada, pois quando a sociedade não vive segundo normas consistentes que consideram que a pessoa humana merece proteção absoluta, haverá uma aceitação gradual de tudo que tem valor de mercado e que atrai os instintos mais baixos do homem.

Assim, atualmente, na sociedade ocidental moderna, crianças estão sofrendo de novas maneiras: são abandonadas quando os pais se divorciam, freqüentemente privadas do contato com os avós, irmãos, e com algum dos pais; às vezes, sofrem ainda abusos sexuais ou são colocadas na estrutura arranjada de um novo "lar". São privadas de uma infância boa e estável numa época da história quando essa necessidade nunca foi maior.

Precisamente, por esses motivos, a maternidade é hoje de extrema importância para o futuro da sociedade. Enquanto mãe, nada me enfurece mais do que o sofrimento de crianças, e não há maior direito natural da mãe do que fazer tudo para evitar esse sofrimento.

OS DIREITOS NATURAIS DA MATERNIDADE

1. O direito da mãe ao apoio da sociedade.

Voltando à pergunta sobre os direitos da maternidade colocados em debate: Que direitos existem para as mães? Que deveres?

A fim de realizar o dever de formar os próprios filhos, nós, enquanto mães, precisamos do apoio da sociedade, tanto de um modo normativo quanto prático. Esse é um direito que é a condição de todos os outros: Nunca antes a família foi tão importante para a formação de filhos, mas também nunca esteve tão fraca e tão submetida a crescentes ataques.

A família, enquanto instituição essencial da sociedade, enquanto sua "célula" primeira, é debilitada por dois tipos de ataque: em primeiro lugar, as autoridades políticas, em muitos Estados, debilitaram gradualmente a família, assumida como instituição "burguesa", negando aos pais a escolha da educação para os filhos ou definindo crianças-adolescentes como portadoras de direitos como adultos. No meu país, por exemplo, atualmente se propõe que 15 anos seja uma idade legal para atividade sexual porque se pensa que as crianças nessa idade devem ter vida sexual. Esse exemplo evidencia que o Estado pode definir os limites da infância e, portanto, os limites da paternidade e da autoridade dos pais.

A velha forma de intervenção estatal residia no ataque ideológico à família, objetivando criar domínio político sobre a última. Remanescentes desse tipo de ideologia ainda existem, mas acho que o segundo tipo de ataque à família é bem mais grave. Não é mais um ataque ideológico por parte do Estado como tal, mas a decomposição da família influenciada por diversas tendências societárias. Essas, por sua vez, pressionam os políticos, freqüentemente através de grupos de interesses unilaterais, para o reconhecimento das posições da minoria na forma de novos direitos.

Por exemplo, família e maternidade se tornam, progressivamente, conceitos vazios quando as famílias são definidas como aqueles que vivem juntos por acaso e em qualquer momento; quando mães e pais são trocados a partir dos divórcios e coabitações, ou quando os filhos aparecem, cedo de mais, como jovens adultos porque ninguém assume verdadeiramente a responsabilidade por sua formação.

As práticas sociais que se refletem em tais "famílias" aspiram, por sua vez, ao seu reconhecimento político e legal. As causas são muito mais difusas do que o antigo ataque, de base ideológica, à família "burguesa", e bem mais difíceis de se combater.

Há também uma outra maneira como a sociedade não apoia a maternidade: quando é economicamente impossível sustentar uma família com muitos filhos. Uma maneira de tirar da maternidade a sua realização reside na elaboração de sistemas tributários que forçam as mulheres ao trabalho assalariado -um fato, hoje, em boa parte da Europa-; outra é o desencorajamento societário, através de políticas sociais, para ter mais do que um filho. Nos países em desenvolvimento, os programas de ajuda estrangeira freqüentemente contêm cláusulas condicionais pressionando os governos a institucionalizar tais políticas.

Na Doutrina Social da Igreja o direito ao salário familiar ocupa um lugar relevante. Este pode ser obtido apenas por um assalariado, permitindo que a mãe decida trabalhar em casa com os filhos. Ela deveria ter o direito de tomar essa decisão. Outrossim, deveria poder escolher trabalhar fora de casa sem ser discriminada, mas nunca deveria ser forçada a fazê-lo. Seja como for, a sociedade deveria lutar para fazer com que o salário familiar seja uma realidade. Esse direito é hoje considerado desnecessário, não muito discutido nem na política ocidental nem em outros âmbitos. O dever do Estado a esse respeito é facilmente esquecido.

2. O direito da mãe de não ter sua vida sexual

interferida por autoridades políticas e sociais

Certamente, o primeiro direito lógico da maternidade deve ser o de ter os próprios filhos, o de não ser impedida através da contracepção forçada ou do aborto. Na Igreja falamos do direito dos pais de decidir sobre o número e o espaço de tempo entre os filhos. São os pais que decidem quando ter filhos, e quantos.

Um dos assuntos mais inquietantes em Pequim, na Quarta Conferência Mundial das Nações Unidas sobre a Mulher, foram os informes sobre abortos forçados, esterilização forçada e contracepção forçada nas mulheres em países em desenvolvimento. Também programas financiados por recursos ocidentais promoviam tais práticas que foram, é claro, negadas por tais programas. Entretanto, é evidente que as mulheres não têm o direito de ter os filhos que desejam. Em alguns Estados há punição severa para quem têm mais de um filho, e as mulheres são forçadas a abortar seus filhos se ficam grávidas após terem já atingido sua "cota" de filhos. Isso é duplamente discriminatório para as mulheres: elas são forçadas a ter somente um filho, e esse único filho é quase sempre um menino. Em muitos Estados há, hoje, uma discriminação sistemática das meninas: o aborto do feto feminino; o assassinato sumário de meninas recém-nascidas e, finalmente, o abandono de meninas, entregues à morte ou recolhidas pelos orfanatos.

Essas práticas extremas se refletem nas punições menos severas de outros Estados onde há práticas repressivas em relação à reprodução em nome do controle da população. Assim, o direito vital dos pais de decidir o número de filhos que desejam é negado em muitos Estados.

Nos Estados ocidentais o direito de decidir quantos filhos se deseja ter não é diretamente reprimido, mas sofre interferência. Um exemplo será suficiente: quando fui com meus nenéns recém-nascidos para as consultas de rotina no serviço público de saúde norueguês, as enfermeiras e médicos insistiam para que eu usasse esse ou aquele contraceptivo. Falar do planejamento familiar natural era considerado antiquado; definitivamente, não uma opção para a mulher moderna. Era bastante claro que eles pensavam que só eles sabiam o que era melhor para mim, e para a maioria das jovens mães essas pessoas representam a autoridade máxima nesses assuntos. Uma mulher com um recém-nascido não está em boa posição para contradizer os profissionais! Quando eu tive meu quarto filho os mesmos profissionais sugeriram que a esterilização era minha melhor opção.

O que eu quero ressaltar aqui é simplesmente que há muitas formas de se exercitar o poder, dentre as quais a coerção não é necessariamente a mais eficaz.

Hoje, em muitas partes do mundo, o Estado interfere no âmbito familiar através do controle do número de filhos usando formas absolutamente opressoras e inaceitáveis, enquanto as mulheres sofrem tudo isso em seu ser mais existencial e fundamental. Apesar dessa constatação, a flagrante infringência dos direitos da mulher não foi o ponto alto da agenda de Pequim. Muitas feministas ocidentais preferiram desconsiderar essa realidade, focalizando o "direito" ao aborto mais do que o direito a não ser abortado.

3. O direito da mãe de trabalhar para sua família e para seus filhos

O que acontece uma vez que os filhos nascem? A mãe precisa tempo e energia para amamentar e tomar conta de todo o trabalho prático que requerem os filhos pequenos. Não precisaria ser enfatizado, mas é um trabalho físico duro pelo qual só a mãe é responsável. Tenho todo respeito pelos pais que trocam fraldas e aquecem mamadeiras, mas o fato é que a maior parte desse trabalho é realizado pelas mães.

Por outro lado, a família precisa de uma receita que permita ter filhos. Aqui nos deparamos com o que deveria ser o maior debate político das feministas contemporâneas, mas não é: como reconciliar a maternidade com o trabalho realizado apenas no lar e com o trabalho fora de casa, considerando a necessidade de ter um salário familiar garantido.

O velho feminismo dos anos 70 preocupava-se apenas no modo como as mulheres poderiam ser afastadas da maternidade e da família, e não na maneira como se poderia oferecer às mulheres opcões para a maternidade e o trabalho profissional, ou mesmo para trabalharem em casa. Porém, na Doutrina Social da Igreja encontra-se uma análise bastante radical desses assuntos que tanto inquietam às mulheres modernas. Nela há duas firmes recomendações em relação às mães e ao trabalho: por um lado, as mães que trabalham deveriam ter a possibilidade de ocupar um cargo sem serem discriminadas porque são mães, e, por outro lado, as mães que escolhem se dedicar ao trabalho em casa, junto aos filhos, deveriam ter a possibilidade de fazê-lo. Além disso, há a insistência no direito ao salário famíliar que permita sustentar uma família com filhos.

O Santo Padre declara que o trabalho de uma mãe deve ser reconhecido e valorizado pela sociedade:

"A experiência confirma que é necessário aplicar-se em prol da revalorização social das funções maternas, dos trabalhos que a elas andam ligados e da necessidade de cuidados, de amor e de carinho que têm os filhos, para se poderem desenvolver como pessoas responsáveis, moral e religiosamente amadurecidas e psicologicamente equilibradas. Reverterá em honra para a sociedade o tornar possível à mãe -sem por obstáculos à sua liberdade, sem discriminação psicológica ou prática e sem que ela fique numa situação de desdouro em relação às outras mulheres- cuidar dos seus filhos e dedicar-se à educação deles, segundo as diferentes necessidades da sua idade. O abandono forçoso de tais tarefas, por ter de arranjar um trabalho retribuído fora de casa, é algo não correto sob o ponto de vista do bem da sociedade e da família, se isso estiver em contradição ou tornar difíceis tais objetivos primários da missão materna"

Nessa declaração, há dois pontos importantes: em primeiro lugar, a sociedade deve valorizar o trabalho das mães. Afinal, isso é da maior importância para qualquer sociedade. Daí decorre que uma mulher que escolhe trabalhar em casa, na educação dos filhos, como sendo seu trabalho em tempo integral (que, em qualquer circunstância, sempre é assim!) deve poder fazê-lo. Isso supõe não apenas que a sociedade não deveria discriminá-la (o que acontece em muitos Estados ocidentais hoje), mas também que ela não deveria ser "penalizada quando comparada a outras mulheres".

Um ponto relevante é que as mulheres que trabalham em casa normalmente ficam excluídas dos sistemas de previdência social dos Estados modernos, o que as torna, na prática, "carentes de direitos". Elas recebem a menor pensão pública, quando recebem, e se ficam doentes não recebem compensação nenhuma. Normalmente não recebem os benefícios da maternidade. Em resumo, todos os benefícios que trabalhadores assalariados já conquistaram politicamente não chegam a elas. O seu trabalho não é reconhecido como trabalho pela sociedade. Um católico muito brilhante certa vez disse-me: "Eu tenho sete filhos, mas a minha mulher não trabalha". Ele ficou completamente embaraçado quando percebeu o que tinha dito.

Em segundo lugar, na passagem da encíclica, se enfatiza que está errado que uma mãe seja forçada -obviamente por razões econômicas- a trabalhar fora de casa se isso significar que ela não poderá mais cumprir suas tarefas enquanto mãe. Assim, o trabalho materno é de importância primordial comparado a outros trabalhos. Sem dúvida, essa é uma questão que, hoje, seria fortemente contestada por muitas feministas e políticos que vêem a libertação da mulher como sendo uma questão relativa ao direito à igualdade com os homens. Entretanto, a verdadeira libertação para as mulheres deve significar o direito a serem diferentes dos homens e de terem esse direito plenamente reconhecido tanto pelo Estado quanto pelo empregador. As mães e os pais não são substituíveis no trabalho junto aos filhos, particularmente, na gravidez e nos cuidados dos primeiros anos da infância. Considerando o que foi dito antes sobre a importância que hoje tem a maternidade na formação dos filhos, especialmente na sociedade ocidental, esse é um ponto chave. São os pais, especialmente as mães, aqueles que podem e devem formar e educar os filhos.

Agora sabemos, a partir de várias experiências sociais, que o Estado e a escola não podem e nem devem fazê-lo. Sabemos que é um "ganho", para qualquer sociedade, ter famílias consistentes pois aí os pais ofercem a formação essencial a seus filhos. Essa "reinvenção da roda" tem sido agora abraçada pela maioria das sociedades ocidentais, mas a um alto preço. Entretanto continua sendo virtualmente impossível, por razões econômicas, que as mães fiquem em casa com os filhos, mesmo quando eles ainda são pequenos. Esse aspecto prático diz muito sobre a falta de valorização ao trabalho que as mães realizam com seus filhos.

4. O direito das mães à uma vida laboral sem discriminação

O segundo texto da Doutrina Social, que gostaria de citar na íntegra, desenvolve mais detalhadamente a diferença entre homens e mulheres e as implicações que isso deve ter nas condições na vida laboral:

"É um fato que, em muitas sociedades, as mulheres trabalham em quase todos os setores da vida. Convém, no entanto, que elas possam desempenhar plenamente as suas funções segundo a índole que lhes é própria, sem discriminações e sem exclusão dos empregos para que tenham capacidade, como também sem faltar ao respeito pelas suas aspirações familiares e pelo papel específico que lhes cabe no contribuir para o bem comum da sociedade juntamente com o homem. A verdadeira promoção da mulher exige que o trabalho seja estruturado de tal maneira que ela não se veja obrigada a pagar a própria promoção com o ter de abandonar a sua especificidade e com detrimento da sua família, na qual ela, como mãe, tem um papel insubstituível" .

Assim, as mulheres não só deveriam poder trabalhar fora de casa enquanto sendo também mães, sem sofrerem discriminação no local de trabalho; mas a própria vida de trabalho deveria ser estruturada para que as mulheres possam progredir e competir sem que isso resulte em conseqüências negativas no seu papel enquanto mães. Isso é justamente o oposto à "privatização" das "pressões mútuas" relativas ao trabalho materno e profissional que, hoje, caracteriza as condições de trabalho das mulheres. Esse não é apenas um apelo para um explícito reconhecimento, nas mulheres, do "direito de ser diferente", mas também uma demanda para que essa diferença forme a base para se reestruturar as condições de trabalho.

É essencial que o acesso à vida de trabalho não seja obtido à custa de nosso papel enquanto mães: "a verdadeira promoção da mulher exige também que seja claramente reconhecido o valor de sua função materna e familiar em confronto com todas as outras tarefas públicas e com todas as outras profissões. De resto, tais tarefas e profissões devem integrar-se entre si". Porém, o trabalho da mãe hoje é fortemente discriminado em muitos Estados: "Deve além disso superar-se a mentalidade segundo a qual a honra da mulher deriva mais do trabalho externo do que da atividade familiar fora de casa do que por seu trabalho com a família deve ser superada. Mas isto exige (...) que a sociedade crie e desenvolva as devidas condições para o trablaho doméstico".

As implicações práticas dessa diferença relativa à mulher e ao trabalho são sintetizadas na Familiaris consortio quando critica a atitude tradicionalmente dominante que considera que o lugar da mulher é a casa: "não se pode deixar de observar como, no campo mais especificamente familiar, uma ampla e difundida tradição social e cultural tenha pretendido confiar à mulher só a tarefa de esposa e mãe, sem a estender adequadamente às funções públicas, em geral, reservadas ao homem". Outrossim, devem ser garantidos às mulheres direitos e possibilidades para trabalharem e participarem na vida pública e política, donde tem sido discriminadas ao longo dos tempos.

Se considerarmos a realidade contemporânea, é impressionante como as medidas políticas que deveriam refletir essa diferença estão ausentes em todos os Estados, sejam eles "modernos" ou não. As mães que também têm uma profissão ou que participam na vida política e pública se vêem forçadas a insistir, para poderem participar plenamente, no direito dessa diferença estar objetivada nas condições de trabalho, assim com em outras condições.

Isso exige, inter alia, que as mulheres não sejam discriminadas, quando canditatam-se a um trabalho, através de perguntas como: "Você pretende ter filhos logo?", se não tiverem; "Você pretende ter mais filhos?", se já são mães; ou ainda "Você terá um filho se conseguir esse emprego?", se forem mais velhas e ainda não tiverem filhos. Todos sabemos que essa perguntas são feitas precisamente às mulheres, enquanto os homens que são pais têm sua paternidade tratada como se isso não tivesse nenhuma relevância para a sua situação laboral. Ninguém pode achar que a paternidade não tenha repercussões na situação laboral de alguém que é pai, mas devemos aceitar, como um fato natural, que as mulheres buscam ter filhos quando se estabelecem profissionalmente, e que isso não deve ser motivo para discriminação nenhuma. Muitas são as mulheres que negaram a importância de sua maternidade com o objetivo de conseguir um trabalho e também muitas as que se sentiram impelidas a escolher entre a carreira profissional e a maternidade. É por isso que o trabalho da maternidade, e sua coincidência de horários com o cargo laboral ocupado, tem sido suprimidos tanto pelos empregadores quanto pelas próprias mulheres.

Por outro lado, o direito de ser diferente implica que não se perca o emprego quando se engravida. Nesse sentido, uma licença maternidade suficientemente longa e remunerada é importante, incluindo a garantia de que não se perca o emprego por causa da ausência em virtude do bebê. As taxas de nascimento relativamente altas na Escandinávia estão, sem dúvida nenhuma, relacionadas a licenças maternidades remuneradas que duram um ano. Tais programas sociais são caros, mas muito depende de uma questão de vontade e prioridade políticas.

Considerando a vida de trabalho de uma mãe, num marco mais amplo de tempo, resulta evidente que a maternidade exige grande parte do trabalho e do tempo dedicado à gravidez, à amamentação e ao cuidado dos pequenos. Mas é somente agora que isso começa a ser considerado nas condições da vida laboral:

Por exemplo, quando eu fui nomeada para o meu atual cargo -professora da cadeira de ciência política na Universidade de Oslo- concorri com um homem. O comitê de avaliação acadêmica declarou que tínhamos obtido quase o mesmo nível de rendimento acadêmico. Fiquei furiosa, esse homem era seis anos mais novo que eu! Seria que eu tinha perdido meu tempo?

Não, certamente não tinha perdido o tempo: Eu estive quatro vezes grávida durante nove meses, que somados dão três anos. Quando alguém está grávida não pode realmente fazer muito, pelo menos durante os períodos do início e do final da gravidez. Depois amamentei quatro filhos durante nove meses cada, outros três anos. Quando alguém amamenta, precisa descansar e dormir mais do que de costume a fim de produzir leite, sendo que é necessário amamentar o bebê a cada quatro horas. Por outras palavras, realmente não se pode fazer muitas outras coisas. Posteriormente, fiquei em casa cuidando dos meus filhos durante outros tanto meses -sem dúvida nenhuma um trabalho de tempo integral se é que há um parecido a esse.

Em resumo, nesse período de tempo, se subtrairmos todo o tempo dedicado à maternidade, eu tinha feito um trabalho acadêmico muito maior do que aquele do meu concorrente masculino. Na verdade, isso se evidenciou na avaliação acadêmica -pela primeira vez na história da Universidade de Oslo- quando se declarou que se devia tomar em conta "meu considerável trabalho enquanto mãe e todas as interrupções que isso causou na pesquisa". Porém, tal reconhecimento explícito do direito de ser tratada diferentemente dos homens é ainda muito raro.

Não se trata de criar, simplesmente, condições iguais para o trabalho de homens e mulheres -isso amarra as mulheres a condições de trabalho que imitam as dos homens, o que, conseqüentemente, leva a "privatizar" o problema aparentemente insuperável das "pressões mutuas". Mudanças visando desenvolver direitos para que as mulheres enquanto mães trabalhem nos termos delas exigem uma radical reconsideração da relação entre a família e a vida laboral. Esse processo se inicia apenas agora em algumas sociedades, depois de terem passado por uma longa fase de "feminismo igualitarista". Nesse âmbito, a Igreja apresenta a análise mais justa e realista do direito das mães de serem tratadas diferentemente dos homens, não só na vida laboral profissional, mas também na "valorização" essencial da importância primordial da maternidade.

Em resumo, o constante ataque ao trabalho em casa que as feministas do anos 70 lançaram, causou um grande prejuízo não só ao papel da maternidade, mas também ao trabalho que esta supõe. Ninguém que tem filhos pequenos pode duvidar que a maternidade exige realmente muito trabalho. É um trabalho que nunca termina, sendo pouco ou nada reconhecido, desprezado pela sociedade; de fato, é completamente desconsiderado pelo Estado. Entretanto, esse trabalho invisível é aquele que sustenta e constrói as sociedades. Quando uma mãe trabalha fora de casa, seu "segundo turno" começa quando chega em casa. Se ela trabalha em casa, ninguém acha que trabalha realmente.

A evidente e triste conclusão dessa análise sobre a maternidade e o trabalho é que seriam necessárias mudanças abrangentes nas atitudes e na política para que as mães possas verdadeiramante escolher entre o trabalho em casa e o trabalho fora de casa. Provavelmente, isso exija que as mulheres participem mais da vida política para realizar tais mudanças, mas também que os homens comecem a considerar o fato de serem pais quando negociam suas condições de trabalho. Ter filhos não deveria ser um "problema da mulher" para a vida laboral -de fato, não é problema algum, mas totalmente natural e necessário a qualquer sociedade com um futuro, portanto, isso deveria se refletir nas condições de trabalho.

5. O direito da mãe à educação de seus filhos

Outro direito da maternidade, e da paternidade, é o de educar seus filhos escolhendo a formação escolar relativa à educação sexual e aos assuntos religiosos e espirituais. No princípio da subsidiariedade, são os pais e não o Estado os responsáveis por essas escolhas. Isso significa que o Estado deveria tornar possível tais escolhas; em outras palavras, as crianças não deveriam ser forçadas a aceitar esquemas educacionais que vão contra as crenças religiosas da família.

A educação básica em matérias morais e sexuais é dever dos pais, sendo evidente que nesse aspecto as mães assumem um papel maior, especialmente durante a infância.

Na Conferência de Pequim assim também como em outros fóruns internacionais, tornou-se cada vez mais difícil reconhecer esse direito dos pais, sendo que a legislação nacional em estados muito secularizados, como é o caso do meu, tornam obrigatória uma educação sexual de tipo instrumental para crianças ainda menores, inclusive distribuindo contraceptivos.

No âmbito da instrução religiosa, é bastante evidente que uma visão totalmente secularizada do ser humano -tal como é ensinada nas escolas seculares- não pode promover a dignidade da pessoa humana. Tal visão secular do ser humano nunca pode ser neutra; é sempre anti-Cristã. Um texto escolar norueguês começa com a sentença: "Somos todos animais". Essa forma tão direta de colocar o assunto tal vez seja ainda pouco comum, mas o problema maior fica latente quando pais religiosos vivem num Estado secularizado, onde há talvez poucas ou nenhuma escola de sua denominação.

De fato, a visão secularizada da pessoa humana que hoje predomina no Ocidente faz com que a visão cristã da pessoa fique numa posição minoritária. Em quase todos os Estados ocidentais, os cristãos não somos mais uma "cultura majoritária" que possa estabelecer as normas de sociedade. Precisamente por essa razão torna-se imperativo garantir os direitos dos pais nesses assuntos de uma maneira bastante explícita. Devemos fazê-lo através de ações sociais e políticas, procurando influenciar todas as camadas da sociedade.

CONCLUSÕES

Que direitos da maternidade são efetivamente exercidos no mundo atual?

Argumentamos que, em alguns Estados, é negado à mulher o direito de ter quantos filhos deseja, através de meios que vão da violência e coerção explícitas até a opressão mais sutil. Posteriormente, argumentamos que falta muito para valorizar e apoiar o trabalho da mulher, tanto dentro como fora de casa. Também destacamos o problema do niilismo em muitas sociedades ocidentais e suas conseqüências muito diretas nos deveres da maternidade -e na falta de cumprimento dos "direitos naturais" da maternidade.

Hoje, a discrepância entre a realidade social e política e aquilo que esses direitos supõem é enorme. Fica então a pergunta: O que fazer, onde e como começar?

Em primeiro lugar, não é solução retroceder para a esfera privada quando discutimos as vantages e desvantagens de políticas para a maternidade e a família: Não é apenas que os parâmetros econômicos da família estejam, em todos os países, ligados a políticas redistributivas e tributárias -num grau maior ou menor, mas ainda num grau bem considerável-, mas, como argumentei antes, a família natural baseada na heterosexualidade precisa do apoio político ativo da parte do Estado.

Hoje, temos que lutar pelo apoio à família natural e contra o apoio à projetos que inserem crianças em qualquer estilo de vida. Hoje, como indicamos antes, está longe de ser óbvio que a família natural existe, e que deva receber tratamento privilegiado do Estado. Em vez disso, há um constante ataque à idéia que uma coisa seja mais natural do que outra e que os seres humanos possam discernir o que é natural, e, portanto, bom para a criança. É preciso um esforço consistente para apoiar e defender a família natural. Essa é uma tarefa de todo cidadão, e ainda mais dos leigos. O envolvimento ativo nas políticas familiares é mais necessário do que nunca.

Por outro lado, é preciso fazer muito mais para conseguir flexibilizar e melhorar as condições de trabalho de mulheres com filhos pequenos. Nesse sentido, parcerias entre o Estado e o mercado tornam-se necessárias, mas a vontade para tanto é pouco provável que venha do mercado. Hoje, as mães ficam constantemente pressionadas entre as exigências do trabalho, configuradas a partir da organização da vida laboral dos homens, e as exigências da maternidade. Se considerarmos que os homens estão longe de fazer sua parte do trabalho doméstico, não é surpreendente que as famílias permaneçam pequenas.

Em resumo, temos que assumir muito mais responsabilidades do que antes, pois vivemos numa época em que os meios de comunicação, o mercado, e o interesse de grupos dominam o debate público e político. Isso significa que temos que ser hábeis para usarmos formas de influência e persuasão, e que temos que fortalecer a democracia nos tornando cidadãos mais ativos. Enquanto mães devemos evidenciar aquilo que está errado, devemos procurar mostrar o que é a maternidade e como ela deve ser vivida, e devemos salientar a sua preeminência para a vida da sociedade, para o "summum bonum". Ninguém é mais naturalmente apto a fazer isso do que nós que somos mães.

Em muitas sociedades este é um tempo de crise para a maternidade e conseqüentemente para os filhos; portanto, também para a sociedade. Mas, precisamente por essa razão, é também um tempo para as mães se mobilizarem, não só construindo famílias fortes, mas também lutando na arena pública. Em atos e depois em palavras.